quarta-feira, 16 de setembro de 2015
O rapper Emicida é capa da edição de setembro da revista Rolling Stone Brasil
"Jorge sentou praça na cavalaria/ E eu estou feliz porque eu também sou da sua companhia...” A canção de Jorge Ben Jor ecoa no primeiro camarim do 4º subsolo do Sesc Pinheiros, em São Paulo. É a segunda noite de lançamento do disco Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa, o segundo álbum cheio de Emicida. O rapper está rodeado por mulheres – as mulheres de sua vida: a mãe, as duas irmãs, as três sobrinhas, a filha, Estela, e a namorada, a apresentadora de TV Marina Santa Helena. Na sala ao lado a banda se concentra, e nem de longe essa cena se parece com os costumeiros camarins esfumaçados dos shows de rap.
Uma playlist alto-astral de música baiana embala a equipe minutos antes da apresentação. “Madagascar Olodum” (Reflexu’s), “Pipoca” (Araketu), “Milla” (Netinho), “O Canto da Cidade” (Daniela Mercury) e “Azul” (Gal Costa) estão a todo volume. Mas toca o sinal. As luzes do palco se apagam, a equipe se prepara. Tudo no lugar. Emicida se senta em um banco alto no centro do palco. Imóvel, estático até o primeiro verso de “8”. “Tipo Central do Brasil, eu vou sozinho”, ele canta.
Leandro Roque de Oliveira é uma das maiores referência do rap para a sua geração. Aos 30 anos, fincou de vez os pés entre os grandes nomes da música brasileira com duas mixtapes, dois EPs, dois discos e mais de 30 participações ao lado de artistas do rap, do samba e do pop. Ganhou visibilidade com os improvisos nos duelos de freestyle e com o primeiro trabalho, intitulado Pra Quem Já Mordeu um Cachorro por Comida, até Que Eu Cheguei Longe... (2009). “Eu olho pra primeira mixtape e sinto fome. Eu gosto dela, mas, mano, me vem a mesma situação. Eu tava cansado, com fome e ela é o retrato disso”, ele relembra sobre os dias em que compôs as faixas, quando a vida dele e da família não era fácil na periferia da zona norte paulistana. Músicas como “Triunfo” e “E.M.I.C.I.D.A (Adoooro)” abriram espaço para uma carreira consistente. Temos aqui uma história de superação que ficaria bem até nos cinemas. É bom olhar para o menino negro, pobre e sem perspectiva que contrariou muita gente para estar onde está, mas sem dúvida é mais confortável narrar os passos do que vivê-los.
O tempo da Batalha do Santa Cruz, tradicional encontro de MCs da zona sul de São Paulo, já passou. A correria para não perder o busão depois de umas rimas do grupo Central Acústica, na Galeria Olido, também já não é mais uma questão. Os inimigos da rua que duvidavam do talento dele estão lá atrás, no retrovisor, assim como os tempos de perrengues financeiros. Emicida é hoje um dos homens de maior destaque na música feita no país, eleito pela Revista Forbes Brasil, em 2014, um dos 30 nomes mais influentes abaixo dos 30 anos ao lado de Neymar, Anitta e Isis Valverde.
O Laboratório Fantasma, misto de escritório de comunicação, gravadora e selo criado por ele e pelo irmão, Evandro Fióti, é exemplo de administração, empreendedorismo e organização. Na folha de pagamento, além de dezenas de colaboradores, estão 15 funcionários fixos. E esse é só um pedaço do império que Emicida está construindo. “Hoje fica esse debate se você é capitalista ou se é comunista. Eu sou preto, tio”, ele diz, enfático. “Eu sou um cara que sabe a lenda de Oxóssi, tá ligado? Oxóssi era o arqueiro de uma flecha só. Ele não podia errar. Eu não posso ficar brincando quando 15 pessoas dependem diretamente disso aqui e sei lá quantos milhões de pessoas sonham com esse bagulho.”
Dois marmitex pequenos recém-chegados repousam recheados com uma porção de escondidinho de carne-seca e outra de arroz. Evandro Fióti, de 26 anos, empresário e único sócio de Emicida no Laboratório Fantasma, pega prato e talheres e se senta em uma ampla mesa branca na cozinha do escritório. Ele desembrulha as marmitas, coloca metade da mistura e um punhado de arroz no prato, como se previsse a fome do irmão. Emicida entra no ambiente perguntando se ainda tem comida. Já passa das 17h e nenhum dos dois almoçou. De pé, o MC come andando pra lá e pra cá. Some por poucos minutos, volta e sai apressado novamente. Entrevista por telefone e ainda mais uma entrevista em vídeo preenchem a agenda que está praticamente tomada pelos ensaios que antecedem os primeiros shows do novo disco.
A história para chegar até esse ponto inclui muitos percalços, mas também conquistas. Em 2011 ele integrou o line-up do festival Coachella, na Califórnia, e se apresentou em um importante circuito de eventos no Brasil, como Rock in Rio, SWU, Planeta Atlântida e Back2Black. No passaporte, carrega carimbos dos Estados Unidos, Colômbia, Argentina, Alemanha, Suíça, Dinamarca, França, Portugal, Inglaterra, Madagascar, África do Sul, Cabo Verde e Angola. Já dividiu o microfone com Mano Brown, Edi Rock e MV Bill, mas foi além do rap e flertou com outros universos em parcerias com Pitty, Tulipa Ruiz, Péricles, Skank, NX Zero, Lenine, Fresno e Mart’nália, entre outros.
“O novo disco do Emicida é realmente um acontecimento na cena hip-hop brasileira e mesmo no panorama da música brasileira como um todo”, avalia Caetano Veloso, que participa da faixa “Baiana”, de Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa. “O talento de improvisador de rimas e a força da imaginação dele já são conhecidos. Mas neste disco Emicida alcança a realização de um trabalho coeso, das sílabas à produção no estúdio. Ouvindo o álbum pronto, fiquei orgulhoso de poder ter estado um pouco mais perto desse novo criador.” Vanessa da Mata, que divide com o rapper a canção “Passarinhos”, música que chegou com força às rádios comerciais, também despeja elogios ao MC. “Acho que Emicida tem doçura e postura, vontade e coragem, gosta de poesia e, ao mesmo tempo, dá uma pancada quando emite a voz de um silêncio tenebroso que se confunde com humildade, mas na verdade é opressão”, define. “Ter doçura, ser vivo, mesmo tendo sofrido, é fundamental. Mas calar-se jamais. Lutar por mudanças é estar vivo.”
O crescimento ainda assusta o rapper. “Eu imaginava que iria virar, mas imaginava menos. Não tinha essa expectativa pro rap. Não tinha esse bagulho dos artistas fodão falar da parada. O Rappin Hood tinha conseguido fazer isso e essa já era a minha conquista. Eu me via representado naquilo”, afirma Emicida (em 2005, Hood lançou a música “Rap du Bom Parte 2” que era cantada com Veloso em cima da batida do clássico da MPB “Odara”). “Nunca imaginei que um dia eu iria ligar pro Caetano Veloso e falar: ‘E aí, Caetano, firmeza? Ó, tô com uma letra aqui’.”
Emicida escreve e produz há tempos. No início, o método dele era quase artesanal, com loopings feitos em fitas cassete, às vezes fora da batida, com resultado mais tosco do que bom. Era ali que assumia a alcunha de Leandro LRX, o Louco Revolucionário X, a voz forte de um grupo que ninguém conheceu, os Poetas de Correria. A união musical se desfez, porque, segundo o MC, “um casou, outro fez três filhos na mina e teve que casar também, outro foi estudar e me deixaram sozinho, só eu e o sonho”.
Fonte: Rolling Stone Brasil
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário