segunda-feira, 27 de setembro de 2010
Entrevista: Marcelo D2 fala sobre seu novo álbum, em homenagem a Bezerra da Silva
O rapper grava disco de homenagem a Bezerra da Silva e fala da importância de seu padrinho sambista para a música brasileira
"O Bezerra é muito rapper. Quando comecei a cantar rap, o que eu mais queria era fazer letra como ele, ter a malandragem que ele tem, seu sarcasmo. As músicas são antigas, mas muito atuais. Acho que eu datei muito mais as minhas músicas do que ele. ´Legalize já´, por exemplo, que fiz com o Planet Hemp, é muito datada. Muito mais do que a linguagem, acho que a atitude dele é muito próxima da de um rapper. Poucos sambistas tinham a atitude dele, e por isso ele era visto como ´cantor de bandido´. Ele tinha uma linguagem direta, da rua." Esse é um trecho da entrevista de Marcelo D2 à revista Época. Na ocasião, o rapper fluminense fala sobre seu novo trabalho, o álbum Marcelo D2 canta Bezerra da Silva.
ÉPOCA – Qual é sua primeira lembrança de Bezerra da Silva?
Marcelo D2 – A lembrança mais remota que tenho é de ouvir Bezerra no quintal de casa, ainda moleque. Mas não é nada claro. A memória mais clara é a de cantar músicas dele na esquina, de sacanagem, só zoação, fumando o primeiro baseado.
ÉPOCA – O quanto ele, sambista, te influenciou como rapper?
D2 – O Bezerra é muito rapper. Quando comecei a cantar rap, o que eu mais queria era fazer letra como ele, ter a malandragem que ele tem, seu sarcasmo. As músicas são antigas, mas muito atuais. Acho que eu datei muito mais as minhas músicas do que ele. “Legalize Já”, por exemplo, que fiz com o Planet Hemp, é muito datada. Muito mais do que a linguagem, acho que a atitude dele é muito próxima da de um rapper. Poucos sambistas tinham a atitude dele, e por isso ele era visto como “cantor de bandido”. Ele tinha uma linguagem direta, da rua.
ÉPOCA – Ele é seu maior ídolo?
D2 – Meu maior ídolo é o Zico (risos). Mas o Bezerra foi muito importante na minha vida. Mais do que ídolo, ele foi meu amigo. Conheci ele entre 1993 e 1994, quando o chamei para fazer um show com o Planet Hemp. Ele morava em Botafogo e eu no Catete, e ele me chamava muito para comer o ensopado que a mulher dele, Regina, cozinhava. Dobradinha, rabada, mocotó, galinha ao molho pardo... Adoro, e ele sabia. Ele me dava muitos conselhos sobre carreira, que para mim soavam muito estranhos. Ele não estava rico, afinal... Eu queria ser rico (risos)!
ÉPOCA – Isso era fonte de amargura?
D2 – Ele tinha muita mágoa de ter vendido tanto disco, feito tanto sucesso, e não ter feito o equivalente em dinheiro. É uma coisa muito mal distribuída no Brasil. A gente paga imposto pra c..., taxa... E ele ficava chateado por isso. Mas falávamos muito sobre música e sobre os assuntos do cotidiano. E ele falava muito cifrado, com a linguagem do morro, e às vezes me perguntava: “Entendeu?”. E eu dizia “Claro...”, mas não tinha entendido p... nenhuma (risos).
ÉPOCA – De que forma se estabeleceu essa relação entre pessoas de gerações tão diferentes?
D2 – Ele se colocava no lugar de um mentor para mim. Eu o tratava como um pai, que me dava conselhos. Quando meu pai morreu, em 1998, ele foi um cara muito importante. Ajudou a segurar a bronca.
ÉPOCA – Como vocês falavam sempre sobre o cotidiano, o que, na sua opinião, ele acharia sobre o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora, que estão tirando o morro do domínio do tráfico armado?
D2 – Ele ia adorar. Os bandidos da época eram do próprio morro, e eu vi, quando morava em comunidade, que eles largavam as armas para ajudar as “tias” a carregar as compras. Eles tinham muito respeito, porque todo mundo ali conhecia sua família, conhecia a vida do bandido desde que ele era criancinha. Hoje em dia não tem isso. O cara que domina o morro é da facção, e nunca morou ali. Não posso falar por ele, posso falar por mim. Adorei esse nome, Polícia Pacificadora. Tem que ser por aí. As pessoas se sentem mais importantes, e podem cobrar médico, escola, coleta de lixo... Antes ia cobrar do traficante? O povo passa a ter voz. Um rapper do Santa Marta (favela pacificada na Zona Sul do Rio) outro dia reclamou que um policial tinha agredido ele. Ele agora pode falar isso! Antigamente ele apanhava da polícia, dos bandidos, e tinha que fica de boca fechada.
ÉPOCA – Essa é uma questão que envolve diretamente um assunto que permeou a arte de vocês dois: as drogas.
D2 – Sou usuário, fumo maconha, mas o tráfico é muito ruim para todos. O tráfico que sempre teve, do cara vendendo ali na esquina... Deixa o cara vender o bagulho dele. Mas esse tráfico armado, que domina território, esse só traz coisa ruim.
ÉPOCA – Como surgiu a ideia de homenageá-lo em disco?
D2 – A ideia existe desde que ele morreu, em 2005. Teve um DVD que gravaram em homenagem a ele, e me chamaram para apresentar. Mas não foi uma homenagem pessoal. Recentemente o Leandro Sapucahy me abriu essa possibilidade, quis gravar e produzir, e eu topei. Foi muito rápido. Falei com o Sapucahy em maio, e em junho já estávamos no estúdio.
ÉPOCA – Como você pretende divulgar o disco? Vai fazer uma turnê?
D2 – Na verdade eu não queria nem dar entrevista (risos). É um disco de homenagem, e a minha maior preocupação é que a molecada conheça o cara. Acho que o Bezerra da Silva é mais conhecido que a obra dele. Queria que as pessoas vissem o quanto ele foi importante para a música brasileira. Gravei muitos sucessos dele, não quis fazer um trabalho de arqueologia, encontrar músicas inéditas, justamente para mostrar o melhor da obra dele como é. Não tenho pretensão nenhuma que esse disco estoure, vire um p... sucesso. Se acontecer, ótimo. Mas não tenho pretensões. Não vou trabalhar o disco como eu faço com os meus trabalhos autorais. Penso apenas em fazer uns dez shows, só em capitais, e alguns programas de TV de amigos.
ÉPOCA – Além do Sapucahy, quem embarcou nesse projeto contigo?
D2 – Sinto-me um cara muito privilegiado de poder fazer um disco de homenagem com a gravadora e todo mundo do meu lado. Muita gente no disco já tinha tocado com ele, e eu falei para os músicos que essa era uma homenagem nossa ao Bezerra, e não só minha.
ÉPOCA – Por que a opção por uma sonoridade tão próxima a dos discos do Bezerra, sem muita inovação?
D2 – Queria fazer um disco que ele ficasse satisfeito quando ouvisse. Não quis misturar rap com samba, como faço nos meus discos. Isso é coisa minha, não dele. Mantive a sonoridade e os arranjos bem próximos do que ele fez. Ficou meio ‘velho’ mesmo. Meio ‘coroa’.
ÉPOCA – Pela primeira vez, você fez um disco todo cantando melodias em vez da poesia falada do rap, a sua praia. Fez alguma preparação?
D2 – Tive quatro meses de aula (risos). Sacanagem... O tom do Bezerra é muito parecido com o meu, e eu canto aquelas músicas desde moleque. Começamos a gravar com Bicho feroz, que é uma das que eu mais gosto. Acabei de cantar e já ficou bom de primeira.
ÉPOCA – Tem alguma pretensão de gravar um disco autoral de samba?
D2 – Acho que vou levar muito dessa experiência para a minha música, mas não penso em fazer um disco de samba. Só me ajudou mais a compreender o tipo de rap que eu tenho que fazer. Não tenho vontade de virar sambista.
ÉPOCA – E quais são os planos para os próximos trabalhos?
D2 – Tenho muita música feita, mas não penso em fazer disco agora. Quero morar em Los Angeles no ano que vem, tenho esse plano. Minha mulher estava meio que desistindo, mas eu acho que vou. Quero aprender inglês direito, quero que meus filhos aprendam... Tenho muitos amigos lá. Gostaria muito mais de ir para Nova York do que para Los Angeles. Mas tenho muitos amigos em LA, e com isso tenho a possibilidade de fazer músicas com gente legal. E LA é mais parecido com o Rio, o clima... Pensei na família também.
ÉPOCA – Está cansado do Brasil?
D2 – Não é cansaço do Brasil. Eu estou cansado é da rotina. Já estou no (faz as contas...) décimo disco já, contando os acústicos (a homenagem a Bezerra é, na verdade, seu décimo primeiro disco). E aí é turnê, entrevista... Já estou um pouco cansado disso. E o legal de lá é que ninguém me conhece. Aqui me chamam na rua o tempo inteiro, “Ô, D2! Quando volta o Planet Hemp?” (risos). Queria entrar mais dentro de mim, e largar um pouco a coisa superficial do Marcelo D2. Quero fazer um disco f... de rap, e não mais do mesmo.
Fonte: G1
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Acho o Marcelo D2 fantástico no que faz é um legado que ele deixa pra todos que um dia sonham em chegar aonde ele chegou sucesso é o que ele é esse deveria ser o seu segundo nome.
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