sexta-feira, 30 de julho de 2010

Hip Hop Salva: Emmanuel Jal: A música de um filho da guerra


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A história deste famoso cantor de hip hop se entrecruza com o drama da guerra que açoita as regiões mais pobres do planeta. Não se esqueceu do seu passado e usa seu talento para devolver esperança.

Os olhos de Emmanuel viram coisas tremendas. Não sabe a ciência verdadeira quando nasceu; talvez em 1980. Sua mãe morreu quando era pequeno e seu pai se meteu com os rebeldes do Exército de Libertação Popular do Sudão (SPLA, sigla em inglês). Emmanuel deveria ter ido a um instituto educativo. No entanto, aos 7 anos, este menino e muitos outros como ele sem lar, receberam a proposta de empunhar as armas. Emmanuel conta que a kalashnikov(AK 47) que lhe deram era maior que ele.

.Entre os 7 e os 12 anos viu mortes e assassinatos. O exército regular sudanês não tem contemplações, arrasa com tudo. Os membros da etnia Nuba ou as populações do sul ou as do Darfur sabem muito bem disso. Por causa deste conflito a Corte Penal Internacional (CPI) emitiu uma ordem de detenção contra o presidente do Sudão, Omar al-Bashir, por violação aos direitos humanos. São milhões os deslocados e refugiados, com seus poucos bens perdidos e destruídos, levam o luto e a dor estampados em seus rostos. Esta gente vive no meio do nada, panorama que constitui grande parte dos 2,5 milhões de km2 que configuram o país.

O SPLA sempre oscilou entre a oposição e a imposição da lei islâmica por parte do governo e do bandoleirismo. Emmanuel quis se livrar desses horrores, por isso, desertou durante três meses junto a outros, em busca de salvação. Padeceu fome e esteve a ponto de cometer canibalismo. Estando ao lado de um parceiro ferido, ele recorda que pensava, agoniado pela fome: "Amanhã vou comer você". As palavras de sua mãe regressaram a sua memória, evitando-lhe outro trauma: " deve-se ter paciência e esperar a comida, porque Deus faz as coisas bem". No dia seguinte recebeu ajuda em víveres.

UMA REDE DE CONFLITOS

A história de Emmanuel Jal é a história de outros 300 mil meninos, obrigados a lutarem em organizações militares que participam de dezenas de conflitos. A UNICEF, o organismo da ONU para a infância, não cessa de denunciar esta prática demencial. A metade dos meninos soldados estão na África, entre as milícias que lutam na região dos Grandes Lagos, nos diversos "exércitos de libertação", conduzidos por senhores da guerra que se enriquecem e fabricam assim seu espaço de poder. No meio da guerra, minerais, drogas, diamantes, petróleo acabam beneficiando os mercados do norte rico.

A deserção no SPLA era castigada com a morte. Mas no Exército de Resistência do Senhor (LRA, sigla em inglês), que alistou mais de 20.000 meninos em suas filas, este castigo era mais atroz ainda: seu desequilibrado líder, Joseph Kony , procurado também pela CPI por crimes de guerra, impõe aos meninos parceiros do desertor, espancá-lo até a morte. Com freqüência, além de soldados, as meninas são escravas sexuais.

O SPLA atuou no Sudão e o LRA em Uganda, no sul do Sudão e no ex Zaire. Ambos se opunham aos governos locais. Fundado por John Garang, entre 1983 e 2005 o SPLA lutou contra o processo de arabização "" efetuado pelo governo de al-Bashir, um genocídio contra as populações não árabes do sul, provocando 2 milhões de mortos. O tratado de paz de 2005 reconheceu a região do Sul do Sudão; em 2011 haverá um referendum sobre sua independência.

Fundado em 1987, o LRA se opõe, no norte de Uganda, ao governo corrupto de Youveri Museveni, o dono do país com o exército africano mais poderoso, mas "incapaz" de acabar com a guerrilla de Kony. Até 2002, o LRA se embrenhava pelo território sudanês onde recebia apoio, pois al-Bashir estaba interessado em desestabilizar Uganda. No meio da luta, as pessoas.

UM GESTO DE AMOR

A história de Emmanuel deu um giro fundamental num campo de refugiados, onde conheceu Emma McCune, uma trabalhadora humanitária. Casada com o líder guerrilheiro sudanês Riek Machar, hoje vice-presidente do Sud4ao sul, Emma o convencera a não utilizar meninos em sua milícia. Sensibilizada com o caso de Emmanuel, a mulher decidiu adotá-lo e enviá-lo para o Quênia e se tornou responsável por sua educação. "Nunca havia recebido esse tipo de atenção, conta hoje Emmanuel. Ela nunca me levantou a voz, corrigia-me com suavidade. Até então não sabia o que era o amor". Seis meses depois de sua chegada ao Quênia, Emma morreria num acidente de trânsito. Mas na alma deste menino algo mudara. Freqüentando uma igreja descobriu seu talento musical. No decorrer dos anos passou da atividade amadora à carreira profissional. Seu primeiro trabalho chegou a estar entre os dez mais vendidos do Quênia. Numa década, Emmanuel Jal, seu nome completo, transformou-se num cantor internacional de hip hop com milhares de discos vendidos em todo o mundo. Hoje este artista vive entre Londres e África: criou uma instituição educativa que leva o nome de sua benfeitora, transformou-se num precioso colaborador da UNICEF na luta contra o uso de meninos como soldados, e utiliza seu talento para difundir uma mensagem de paz. Este ano sua biografia foi publicada na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos e sua vida inspira documentários e filmes.

Sem dúvida, a história de Emmanuel Jal e sua assombrosa mudança é somente ma gota no oceano de dor dos milhares de meninos obrigados a serem soldados. Mas hoje, ocupando um novo lugar na sociedade, este cantor pode fazer muito em benefício de outros como ele.

É alentador saber que tudo foi possível graças a um gesto de amor de alguém por outra pessoa.

Por Alberto Barlotti




Livro
FILHO DA GUERRA: A HISTORIA DE UM MENINO SOLDADO
Emmanuel Jal

Sinopse do livro:
A história de um jovem que sobreviveu aos horrores dos campos de batalha para se tornar um famoso cantor e defensor da paz é o mote de Filho da Guerra, do rapper Emmanuel Jal. Em meados dos anos 80, Jal era um garoto sudanês de sete anos que vivia em uma pequena vila com sua mãe, pai e irmãos. Tinha uma vida simples mas feliz, até que uma guerra civil explode em seu país e sua vida nunca mais é a mesma. Logo se vê junto com outros 10 mil meninos, conhecidos como os Meninos Perdidos do Sudão, lutando em duas guerras civis por quase uma década, sem nem mesmo entender as razões destes conflitos. Sua vida começa a mudar quando é adotado por uma voluntária britânica e começa uma nova jornada, tornando-se, então, um cantor conhecido no mundo todo. Filho da Guerra é chocante, inspirador e, antes de tudo, cheio de esperança.

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