quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

RAP FEMININO BRASILEIRO PREFERE CANTAR FELICIDADE A PROTESTO

Karol Conka foi estimulada pelo rapper Emicida. "Ele falou pra eu me jogar, aproveitar a maré boa" (Foto: Luciana Faria/Divulgação )

Sensuais e pouco engajadas, elas fazem uma versão alegre da vertente. Lívia Cruz, Flora Matos e Karol Conka pregam o fim do sexismo musical.

"A noite tá perfeita, eu saio cazamigaloka/Joias, maquiagem, muito capricho na roupa/Versatilizando no estilo, com muito brilho".

Assim começa "Gandaia", single de Karol Conka, integrante de destaque da safra emergente de mulheres MCs do Brasil. Em comum, elas têm o sucesso em um gênero majoritariamente masculino e a opção por rimas mais felizes. O rap feminino brasileiro trocou a foice pela roupa justa e o rebolado. Para Lívia Cruz, Karol Conka e Flora Matos, mulheres MCs que ganharam projeção nacional, é possível dominar a vertente com a voz e o quadril.

Ao tirar as amarras da criatividade, elas encabeçaram um movimento contra a infelicidade (e a testosterona) - até então, requisitos do estilo. Em suas letras, há espaço para a versátil dor de cotovelo ou temas como amizade, balada e retratos de um cotidiano quase indiferente às desigualdades sociais ou a falta de amor em SP.

Distantes da militância, os temas supostamente banais, na visão das garotas, não domesticam o rap, mas o tornam acessível e plural. “No show que fiz em São Paulo, no Sesc, ano passado, vi na plateia homens, mulheres, crianças, meninas adolescentes e casais gays”, comenta Karol Conka. Elas são tão ecléticas quanto os novos fãs.

Flora Matos não poupa a agressividade
na hora de defender a música que faz


Karol diz que suas canções “só fazem chorar se for de alegria. É um remedinho pra ficar contente e esquecer de tudo.” Cantar amenidades funciona como um amplificador da música e estilo de vida que gostam de levar.

"Sou uma solteira desprendida, vivo pra mim. Gosto de me inspirar em histórias dos amigos, em relatos da vida. O amor mais sexual vai estar no meu novo álbum”, revela Karol. O disco será lançado em março de 2012.

Fora dos palcos a autoestima permanece vigente. Flora Matos, autora da música “Pretin”, um diminutinho pra “pretinho”, apelido do homem-desejo da narradora, dá de ombros às cobranças por um movimento supostamente menos romântico.
“É preciso fazer rap engajado no quê? Não existe mais isso. Trabalhamos com a verdade. Matéria-prima de MC é o que a gente sente e vê.”

A leveza das letras dá lugar à agressividade e postura crítica quando é preciso protestar a favor do que faz. “As pessoas caíram na real de que além do problema, também existe a solução. E a alegria de viver também existe, mas quando exposta em uma musica rap, pode soar pop e sensual. E isso não nos impede de passar a felicidade para o papel. Eu frequento batalhas e vejo as mulheres mandando muito bem.”


Lívia Cruz confessa que tentou camuflar a beleza e as curvas dentro de roupas largas, assumindo uma postura mais masculina, inicialmente. Como não nasceu no berço do movimento hip hop - a periferia - diz ter enfrentado o triplo de preconceitos por viver no limbo da classe média.
Participou de batalhas, bateu de frente com homens em duelos de MCs em uma estratégia de apanhar para crescer. “Era a forma de me aperfeiçoar, desenvolver agilidade, mas sei que não tenho esse talento e sangue frio. No começo, achava necessário.”

Tempos depois, percebeu que a fantasia de “menino” não amenizava os preconceitos. Desistiu da autopunição e se permitiu ser vaidosa e feminina. “Foi então que soltei os cabelos, coloquei brinco de argola e roupas coladas mesmo.”

Em seu último confronto, recorda que perdeu por falta de jogo de cintura – e por pudor. “O cara com quem eu duelava me mandou abrir as pernas e meu pai estava na plateia. Foi um duelo bom, mas eu teria que mexer com a sexualidade dele para vencer. No momento, não me passou pela cabeça uma forma de impor respeito. Eu depois até pensei, mas o improviso é isso, ganha quem tiver mais agilidade pra derrubar.”

A vida nos ringues musicais, entretanto, rendeu qualidade e destemor aos improvisos necessários em cima do palco. “Se eu erro a letra durante um show, sei me virar tranquilamente.”
Assim como Karol e Flora, Lívia acredita que o rap pop que faz não arranha a vertente, apenas a torna menos periférica. É a batida, e não o tema, que a seduz. "Não cresci em uma realidade sofredora, mas batalhei pra ter espaço. Não preciso falar do que não vivi pra poder fazer meu rap. Nunca quis ser cantora de MPB, samba ou qualquer outra coisa."


Fonte: G1

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