terça-feira, 29 de maio de 2012

Criolo do Rap ao Bolero e todo o amor que existe em SP


Não há dúvida de que Criolo é um fenômeno: seu disco “Nó na Orelha” foi um dos mais elogiados de 2011, foi eleito álbum do ano pela Rolling Stone e pelo VMB, enquanto “Não existe amor em SP” virou um hit instantâneo da internet, navegando na poesia dura de seus versos. E em poucos meses Kleber Cavalcante Gomes, o Criolo, se viu catapultado das rinhas de MC’s da periferia de São Paulo para o lugar mais controverso do altar musical nacional: o lado esquerdo de Sua Santidade Caetano Veloso, onde esteve para cantar justamente “Não existe amor em SP” no VMB.

Todo esse processo, obviamente, despertou desconfiança em muita gente. Em um mundo cada vez mais imediatista e frívolo, em que os atos de ‘Curtir’ e ‘Compartilhar’ levam diariamente à fama toneladas de lixo, o sucesso de Criolo pareceu fake demais. E não demorou a reação dos hatters declarando que ele não passava de um pseudo-rapper, que seu sucesso era fabricado e que sua poesia era falsa. Que ele era, afinal, só mais um fenômeno midiático.

Mas a contra-prova dessa tese pode ser verificada nos shows do paulistano do Grajaú, como o que aconteceu na última sexta no Cine Joia aqui em São Paulo. Infelizmente (ou felizmente, sei lá), não é uma prova que se pode analisar friamente, dissecando os elementos com precisão racional. Como um fenômeno natural, é impossível separar o impacto do acontecimento apenas em partes inteligíveis, como se você tentasse explicar a um ser de outra galáxia o que é Sol. Muito mais do que uma estrela incandescente, a experiência de viver sob o sol é indescritível sob todos os aspectos.

E é isso que acontece no show do Criolo: desde que entra no palco, é quase impossível desgrudar o olho do homem que chega, ainda meio tímido, parecendo até surpreso, e que pouco a pouco se solta em arroubos de excitação, violência e emoção, conforme a música. O repertório, que já foi criticado pelo ecletismo, mostra ao vivo uma coerência ímpar – e fica claro que o gosto de Criolo não está por esse ou aquele estilo, mas sim pela palavra. É por isso que navega do rap ao bolero sem escalas, mas com o mesmo sabor nos lábios. Há um visível e recompensador prazer do cantor no palco durante todo o show. E nos olhos, uma eterna vigília, que se converte em doçura, em faixas como “Freguês da Meia Noite”, em malemolência em “Subirusdoistiozin” ou em malandragem cínica em “Grajauex”.


Nenhum fenômeno natural é um acontecimento isolado – é decorrência de uma série de condições que o favoreçam, além do tempo e do espaço ideais. No caso do Criolo, mais de 10 anos trilhando a carreira no rap, o encontro com Marcelo Cabral e Daniel Ganjaman catalisou os eventos que fizeram explodir “Nó na Orelha”. E no show, a dupla de produtores, tocando respectivamente baixo e teclado, continua riscando o fósforo para a excelente banda, com destaque para o impressionante naipe de metais.

E há, ainda, um elemento que vai além: MC Dan-Dan, parceiro de Criolo de longa data, que é mais do que um membro da banda – é quase meia-alma do cantor. É ele que entra junto com Criolo, e se este parece um pouco assustado no começo, Dan-Dan faz seu papel de MC com precisão: pula, dança, conquista cada espaço do palco e da platéia. E traz Criolo pra dentro do show, interage, brinca, dança com energia sem-fim.

Com tudo isso, é impossível não se deixar contagiar pela tempestade que passa pelo palco, ora com violência, ora com ingênua doçura. Porque uma outra coisa fica clara ao final do show: mesmo que nos versos de “Não existe amor em SP” Criolo destile todo seu cinismo e frustração, no fundo ele acredita sim no amor em SP – pode-se ver em seus olhos.

Fonte: Line Up Brasil Texto e Fotos de Zé Roberto Pereira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário